terça-feira, 14 de outubro de 2008

Charme mais caro

Então você achou mesmo que isso iria funcionar. Percebi, de repente, que sim. Lançou-me aquele sorriso inocente, na sua cabeça as coisas deveriam estar realmente indo muito bem. Estampando ali o seu melhor humor, sua mais fina compreensão, seu charme mais caro. Senti pena. Você dando o melhor e eu implorando pelo pior, como sempre. Você me cobrindo de maravilhas e eu sentindo aquela vontade de me afundar no desastre. Alegria inabalável, a sua. Deveria ser atraente, não? Quanto mais perfeito você se mostra, mais imperfeita eu me descubro. Paciente segurando seu câncer, com unhas e dentes, rejeitando os tratamentos, quero me estatelar no chão, lágrimas jorrando, berro ensurdecedor. Poderia ser você mesmo, poderia ser aqui mesmo, mas não da mesma forma. Se ao invés de me estender a mão, você tivesse me dado as costas, seriam por você as batidas frenéticas do meu serelepe coração. Mas você continua na linha, não percebendo que eu sacudo para você cair.
Sou uma criança mal criada, menina mimada da rua que se apaixona pelo traquina mal encarado da casa ao lado. Você, para mim, é aquele penteadinho da mansão da frente, entediando-me com suas palavras, fazendo-me pensar que a maior diversão da noite é chupar essa maldita bala de menta. De vez em quando você se atreve a me beijar. Encosta seus lábios estupidamente corretos nos meus inegavelmente errados. E tudo que me passa pela cabeça é o quão idiota um de nós deve ser. Ou você, por tentar com tanto afinco e não conseguir, ou eu, por não permitir seu êxito.
No fundo do meu incurável sarcamo e da imatura indecência, está uma certeza engraçada e promissora, bom mesmo é quando faz mal. Então recolha todo o bem que você tentou me fazer e carregue-o daqui antes que eu vomite, cercada das suas gentilezas, estou ficando tonta. Não volte, pelo menos não desacompanhado de um punho de defeitos imundos e de uma bela tragédia.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Diversão

Talvez isso lhe divirta. Talvez você ache engraçado essa minha luta cega, coração na boca, pés afoitos, sedenta. Você deve rir daí, me vendo de um ângulo inédito, saboreando-se com meu desespero. É doentia essa sua brincadeira, você vai tecendo e destecendo, me empurrando e me puxando. Eu, como um João Teimoso, você bate e eu volto, com um sorriso debilmente estampado no rosto, inabalável. Então é isso, você sabe o poder que exerce sobre mim, quem não saberia? Brinque enquanto pode. Lance sobre mim esse seu olhar solúvel e dilua-o em minhas células, infectando-as. Faça isso. Vá em frente com sua sádica hipnose, com seu joguinho de olhares. Continue assim, meu querido. O que você não sabe é que eu também lhe vejo de um ângulo inédito. Afundado na lama dos seus remorsos, remoendo suas dores. Então pare com isso, pare de confundir meus erros infantis com seus méritos inexistentes. Confusões e mal entendidos não justificam sua arrogância. Sofrimento não é sinônimo de maturidade, pegue todas essas suas decepções e faça algo de inteligente com elas.
Enquanto isso, mantenha seu olhar sobre mim, continue me invadindo impiedosamente, lançando palavras docemente afiadas. A diferença é que no final, terei me tornado imune, já você, afundará mais alguns centímetros na sua gloriosa lama.

sábado, 12 de julho de 2008

ss.

Ela fechou os olhos com força e sentiu o peso daquela certeza deitar devagar sobre os seus ombros, ele ficaria ali para sempre. Ali, naquele fim de tarde vazio, ou ali naquela manhã chuvosa. Ele ficaria para sempre em tudo, para sempre no seu sorriso e para sempre em suas lágrimas. Impregnado em cada ruga que lhe surgisse, amarrado às pontas secas dos seus cabelos, e esparramado em seus perfumes. O "para sempre" a sufocava por completo.
Em seu peito, um vazio gelado, tão gelado que chegava a doer.
Era como se uma tempestade inteira estivesse dentro de sua cabeça.
Suas unhas roídas, as nuvens brancas, o inseto no vidro, a revista jogada no chão. Ele não iria embora.
Sentimentos desconexos atormentavam-a na mais calma confusão. Não havia como reagir. De novo e de novo aquelas palavras verdes na sua cabeça, gravadas. Como iria ela viver com aquele fantasma atado aos seus pulsos? Como iria ela expulsá-lo de vez?
Não havia uma única maneira no mundo capaz de aliviar aquela dor. Suas lembranças pareciam antigas, um abismo separava o ontem do hoje, um abismo profundo e irreparável.
Horas, dias, semanas, meses, anos. Uma vida inteira, em um parágrafo. Uma vida inteira naquele momento.
Sua vidinha continuou, não havia alívio no tempo. Suas gargalhadas, suas noitadas, seus amores, seus medos e seus segredos. Tudo continuou. Inclusive a certeza, a maldita certeza, confirmada a cada amanhecer e anoitecer, confirmada na eterna presença daquela ausência.
Para sempre, como o prometido.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

a verdade

Talvez um dia você perceba. E eu não me incomodo mais com o fato desse dia não ser hoje. Você me olhou, de longe, acho que meu coração deve ter se escondido, corrido desesperadamente para trás do meu fígado. Pelo menos foi essa a sensação. Fiquei meio tonta. Eu sempre fico tonta. Fechei os olhos, e senti morna em mim a lembrança daquele dia, ali mesmo, você mesmo, a mesma Lua, mas não os mesmos olhares. No meu, restava esperança, no seu, vontade. E nem tanto tempo depois, tudo tão diferente. Não vou insinuar que você me ama e não sabe, se pudesse, até o faria, mas não posso ir contra a lógica fria que vem do seus olhos. O que estou tentando mesmo, é dizer com todas as palavras, que eu fui a pessoa certa para você. Que eu nasci para você. Não que eu acredite que um dia iremos nos casar e ter filhos, mas eu me sinto de certa forma superior, por saber que isto seria o certo, por saber mais do que você. Não me machuca essa certeza, não me atrapalha, não me faz perder uma noite sequer acordada. Se perco o ar quando escuto sua voz ou tremo ao sentir seu cheiro, a culpa não é minha, é uma questão biológica. Você não sabe que com todos os seus erros você trilhou o caminho certo, que com todos os seus silêncios você me disse tudo que eu precisava ouvir, que com sua frieza você quebrou meu gelo de forma irreparável. Você nem percebeu. Eu sempre vou te olhar desse jeito, com essa cumplicidade de duas pessoas que estragaram tudo antes de começar. E sempre que eu te observar pelo canto do olho vai ser movida pela certeza, pela certeza que vem do jeito que você tira o cabelo do rosto da forma menos charmosa possível, pela certeza que vem do seu andar desengonçado, pela certeza que vem do seu sotaque ao dizer meu nome, pela certeza que vem quando você abre e fecha a boca sem falar nada, a certeza de que nós fomos feitos um para o outro, por mais infantil que isso soe. Você um dia vai perceber, e vai entender porque eu ria daquele jeito estranho, eu tinha um segredo que você me fez descobrir. Nós provavelmente nunca iremos passar tardes juntos, nunca iremos observar o mar de mãos dadas, nunca iremos dançar na chuva, nunca iremos rir num sofá confortável, nunca iremos dizer "eu te amo", e nunca faremos planos, mas, meu bem, saiba que estes já foram feitos, saiba que isso tudo seria o certo.

não tão fácil

Olhava a brincadeira da criançada. Invejava o brinquedo alheio, quietinha. Disfarçava, mas o que mais queria era realmente um brinquedo daqueles. Mimada, conseguiu. Ficou tão feliz, que demorou um bom tempo para tirá-lo da embalagem. Olhava-o de perto, sorria tonta. Com as pontas dos dedos, tocava-o e se vangloriava, agora seria como as outras crianças. Mas algo deu errado, algo no seu jeito, ou talvez na indelicadeza de suas mãos, algo quebrou o brinquedo, algo o partiu em mil pedacinhos. Juntou-os, tentou e tentou montar de novo, tentava sem nem parar para pensar, mas ao fim ele sempre se desmontava em suas mãos. Não deveria ser assim, o brinquedo deveria ter algum defeito. E foi com um baque que percebeu, 'o defeito sou eu'. É lindo, é mágico, é belo, mas não é para mim. Chegou a erguer o brinquedo, movida pela fúria, iria arremesá-lo! Mas a decepção a amadurecia, e a fazia perceber a importância da sensatez, então, sensatamente, pegou os cacos do brinquedo e colocou-os de volta na embalagem, não era o mesmo, nem tampouco era a mesma. No outro dia sentiu o peso, sentiu o peso de ver as outras crianças sorrindo, sentiu o peso das indagações e das afirmações, sorriu para si mesmo, quem sabe não era especial? Precisaria, então, de um brinquedo especial! Mas o medo não a permitiria tentar novamente. Amava os brinquedos, admirava os brincantes, mas se resumiu a aquilo, afastara, para sempre, suas mãos grosseiras do belo e delicado.

sábado, 24 de maio de 2008

ok ok

Como eu disse para minha amiga, estou pagando pelos meus pecados. Logo eu, logo eu que condenei veementemente todos aqueles que estavam com conjuntivite. Excluí pessoas do meu ciclo social, sai do meio da aula de Química porque o James (professor) estava com o olho inchado, e deixei todo mundo com nojo da Taís porque ela tinha tido conjuntivite. Eu acordei de madrugada com o olho naquele estado metamorfose. O desespero bateu mesmo foi quando eu me dei conta de que eu iria perder aula de História do Hermano. Eu pre-ci-so melhorar. Conjuntivite é a doença mais medieval da atualidade. Ah, vamos lá, por causa do seu olho vermelho sua vida para. POR NO MÍNIMO 5 DIAS. E você sabe que não está inválida. Eu duvido que o Bush passe 5 dias sem sair se ele pegar conjuntivite. Deve haver um jeito. Mas enquanto eu não for presidente dos EUA, vou continuar no soro.

:/

domingo, 11 de maio de 2008

Trovões

[Minha vida não anda muito engraçada ultimamente. Não, não que esteja triste, só não está engraçada.
Ainda não decidi o que fazer no vestibular, e, acredite se quiser, em uma semana me passou pela cabeça: Computação, Farmácia e Estilismo. Não, não é como se eu estive indecisa, é? ]
Ultimamente eu tenho lembrado de coisas que pareciam estar meio perdidas pela minha cabeça. Uma completa bagunça, admito. Lembrei-me de pessoas. De amigos, de um em especial, e o que me incomodou não foi a saudade, foi na verdade a ausência desta. Lembrei-me de épocas, e percebi, mais do que nunca, como as coisas mudaram, não posso dizer que não gosto do rumo que elas tomaram, mas também não posso dizer que não sinto uma certa insatisfação ao perceber que a gente não tem o mínimo controle sobre nossa própria vida, por mais que os mais ousados insistam em afirmar o contrário. Mas o que mais tem pesado aqui, a ausência mais expressiva, não se resume de forma tão simples. É incrível como eu luto inutilmente para manter em mim lembraças que escoam de forma inevitável por dentre meus dedos. Eu me apego aos restos, é essa a verdade. Me apego à imagem falha de um último sorriso, do cheiro distante dos caramelos. O incessante estalar de dedos, as cortinas abertas bem cedo aos domingos, a campainha tocando às 7. Me apego às horas deitadas no chão assistindo o mesmo filme pela milésima vez. E me desespero ao perceber que aos poucos eu vou esquecendo do som daquela voz, me dá uma vontade infantil de tapar os ouvidos e guardar para sempre o restinho dela. Me desespero ao esquecer um traço daquele rosto, e corro para o álbum de fotografias mais próximo, suspirando de alívio e decorando cada linha novamente. Estampo um sorriso amarelo sempre que ouço tocarem no assunto, será sempre assim. Me sinto como uma louca, olhando para o mar, este já não tem o mesmo significado, não sem aquela mão atada a minha por de baixo de ondas. "Obladi, oblada, life goes on". É ruim saber que nunca mais eu irei acordar com essas palavras cantaroladas. Às vezes quando fecho os olhos me vem à mente a imagem dos meus passos lentos pelo corredor, buscando ouvir os seus. Tolice. E me vem à mente todos aqueles olhares, e aquelas palavras. Palavras pesadas de mais para uma criança de 7 anos. Não, não vou chorar pelos cantos, eu assisto à isso atônitamente. Pois ele não partiu de forma brusca, não de mim. E é isto que dói mais. Foi isto que segurou minhas lágrimas. Por cima de tudo, por cima de tudo o que me restou, me pesa aquele "tchau". Me pesa o silêncio que o seguiu, pesa mais que tudo nesse mundo. Eu virei as costas. E é desta maneira que as vagas memórias se vão, me virando as costas. E de repente uma palavra escapa dos lábios. Sem nexo, sem um perfeito significado, mas nunca sem valor. Pai.